26.03.2025 às 08:17h - Santa Catarina

SC tem número recorde de processos relacionados a pensões alimentícias em quatro anos

Ricardo Orso

Por: Ricardo Orso São Miguel do Oeste - SC

SC tem número recorde de processos relacionados a pensões alimentícias em quatro anos
Foto: Banco de Imagens

Santa Catarina teve, em 2024, o maior número de processos relacionados a pensões alimentícias dos últimos quatro anos, segundo dados fornecidos pelo Tribunal de Justiça catarinense. Ao todo, foram 32.836 processos distribuídos, um aumento de 5,8% em comparação a 2023, quando foram tratados 31.028 processos neste tema.

Os processos são divididos em cinco formas de execução diferentes e dizem respeito, principalmente, às crianças e adolescentes. A primeira forma é a ação de alimentos de Infância e Juventude, que segue as normas previstas no Código de Processo Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em Santa Catarina, houve o registro de 200 processos relacionados ao tema em 2024, número menor que no ano anterior, quando foram 235 casos.

Neste caso, trata-se de uma ação judicial em que um dos responsáveis busca garantir o direito a alimentos a uma criança ou adolescente em casos de divórcio, por exemplo. Caso o procedimento se concretize, o responsável pelo pagamento é condenado a prestar pensão alimentícia. Em quatro anos, essa forma de execução já registrou 1.292 processos na Justiça catarinense.

Outra forma de conseguir uma pensão alimentícia é pela Lei de Alimentos n° 5.478/68, que permite que sejam aplicadas medidas coercitivas caso a pessoa cobrada pela pensão não pague o combinado. Foram 19.138 processos envolvendo essa legislação em 2024, um aumento de 4,36% em comparação ao ano anterior.

Desde 2020, há um aumento progressivo no número de processos relacionados à lei. Isto porque, há quatro anos, foram 12.250 processos, 35% a menos que o registrado em 2024.

A doutora em Direito Renata Raupp Gomes explica que a obrigação alimentar traduz-se na “satisfação de necessidades muito básicas da pessoa em condição de hipossuficiência econômica ” e “relaciona-se à concretização do direito fundamental à vida, com certa dignidade”.

— Sendo esse o intuito da obrigação alimentar, a legislação pune a inadimplência da obrigação alimentar judicialmente fixada com a prisão civil do devedor. Logo, é correta a afirmação de que a dívida alimentar pode acarretar ao devedor a pena de restrição da sua liberdade — afirma.

Cumprimento de sentença de obrigação de prestar alimentos

Ao todo, foram cumpridos 12.671 sentenças de obrigação de prestação de alimentos em 2024. Isso acontece quando o valor e as condições da pensão alimentícia já foram estabelecidos, mas não houve o pagamento acordado. Nesses casos, pode ocorrer a prisão do condenado ao pagamento.

Também houve um aumento no cumprimento de sentenças em relação a 2023, quando foram 11.691 naquele ano. Em quatro anos, esse tipo de processo teve 48.240 registros na Justiça.

Raupp explica que a procura pela Justiça para tratar sobre processos relacionados aos alimentos sempre foi alta, “notadamente por se tratar de tema relacionado diretamente à subsistência das pessoas”, mas que o aumento nos últimos anos pode ser atribuído a alguns fatores.

— Os cumprimentos de sentenças promovidos nos últimos anos refletem, supostamente, a realidade econômica do país, o empobrecimento da população de modo geral, o desemprego, a informalidade, circunstâncias que potencialmente podem levar o devedor de alimentos a não mais conseguir cumprir a obrigação alimentar originalmente assumida em acordo ou determinada judicialmente — diz.

Outros fatores citados por Raupp são o número de demandas alimentares, e o aumento dos divórcios e das dissoluções de uniões estáveis no país.

— Isto pode gerar, consequentemente, o nascimento de obrigações alimentares em relação aos ex-cônjuges, ex-companheiros ou em relação aos filhos comuns — complementa.

Execução de alimentos na Infância e Juventude e execução extrajudicial

Outros dois casos dizem respeito a execução de alimentos na Infância e Juventude, que significa a ação cumprida forçadamente de fornecer alimentos para o solicitante, e a execução extrajudicial, que não envolve ações judiciais, mas acordos assinados e reconhecidos pelos órgãos competentes.

No primeiro caso, foram 253 processos no ano passado. Já em relação às execuções extrajudiciais, foram 574 registros.

Casos não registrados

Apesar do número recorde de processos, alguns casos de não pagamento de pensão alimentícia acordado não são registrados na Justiça por ser “mais uma dor” que a família enfrentaria em um processo doloroso, como uma separação familiar. É o que diz uma jovem de 22 anos, ouvida pela reportagem e que preferiu não se identificar,

Natural de Brasília, onde o pai continua residindo, a jovem veio para Florianópolis há três anos. Em 2016, quando estava iniciando o ensino médio, teve que enfrentar a separação dos pais que, segundo ela, “foi difícil porque foi uma separação de traição”. O homem, à época, saiu de casa e foi morar no estúdio de tatuagem em que trabalhava, onde permaneceu por cerca de um ano.

A estudante diz que, durante esse período, o pai não pagava nenhum tipo de pensão pois a separação ainda não estava oficializada. A partir do momento que seus pais fizeram isso, a mãe da jovem entrou na Justiça e, assim, ficou acordado que o homem pagasse uma pensão de cerca de R$ 700. O valor se justifica, segundo a jovem, por ele ter renda fixa, apesar de ser considerado autônomo.

A pensão era paga diretamente para a estudante que, até o momento, ficava dividida entre a casa da mãe e a casa do pai. O valor, no entanto, não era integralmente entregue a ela, segundo a jovem. O homem pagava cerca de R$ 400 e R$ 450, quase metade do valor acordado.

Quando se mudou para Florianópolis para cursar o ensino superior, a situação piorou. O pai diminuiu o valor para R$ 350.

— Sempre foi assim. Então o resto, tudo, quem pagava era eu e minha mãe. Eu me dobrava, fazia dois, três empregos, junto com a faculdade, e minha mãe também pagava todo o resto, sendo alimentação, plano de saúde, tudo que precisava era sempre eu e ela — explica.

O valor da pensão acabou sendo usado para a recarga de cartão utilizado no transporte coletivo. Entretanto, um ano depois, o homem ligou para ela e disse que não poderia mais pagar, pois tinha um outro filho e que a mãe da criança também o havia processado para o pagamento de pensão. Foi aí que a jovem e a mãe resolveram não insistir no assunto.

— Eu acho que a gente já tá tão acostumada a não ter a presença do pai ali, principalmente financeiramente, que foi mais fácil aceitar — desabafa.

Ela conta que já pensou em processar o próprio pai, mas que acha que a decisão iria “gerar danos maiores emocionais e mentais, porque a gente sabe também que se ele não pagar – é uma das únicas coisas que funciona no Brasil – ele poderia ser preso por não pagar a pensão, e seria uma dor a mais e um custo a mais do que só aprender a viver sem o pai te ajudando financeiramente”.

Ao todo, em quatro anos, foram 133.864 processos relacionados a pensões alimentícias em Santa Catarina. Para a doutora em Direito Renata Raupp Gomes, não cobrar na Justiça “o direito do filho de ser devidamente sustentado por ambos os genitores, na proporção de seus ganhos e rendimentos, acarretará mais sofrimento e privações à criança ou ao adolescente, tanto momentaneamente quanto a longo prazo”.

— Acredito que as pessoas estão cada vez mais tendo consciência acerca das obrigações e deveres que decorrem da parentalidade e, talvez, por esse motivo, associado aos demais já mencionados, vejamos um aumento significativo de demandas alimentares junto ao Poder Judiciário do nosso Estado e do nosso país — destaca.

Fonte: NSC Total

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