12.04.2025 às 17:45h - Santa Catarina

Primeira mulher a chefiar Ministério Público de SC tem vivência na política e paixão pelo Direito

Ricardo Orso

Por: Ricardo Orso São Miguel do Oeste - SC

Primeira mulher a chefiar Ministério Público de SC tem vivência na política e paixão pelo Direito
Foto: Divulgação/ NSC Total

Um processo de maturação. É assim que Vanessa Cavallazzi enxerga o caminho de trabalho percorrido por ela até o comando do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). Mais velha de três irmãs, a manezinha da Ilha, de sotaque nativo e voz suave, recorda-se de uma infância responsável e de uma adolescência movida pela inquietude que a desigualdade social lhe causava.

Ainda jovem, lembra de sair correndo da escola, ao fim da aula, para acompanhar as sessões parlamentares na Assembleia Legislativa (Alesc) onde pai e mãe atuavam como deputado e taquígrafa, respectivamente.

Aos 53 anos, após quase 30 de experiência na promotoria pública, e de vivências em que precisou se provar sistematicamente qualificada, assume a Procuradora-Geral de Justiça do Estado e apropria-se de um espaço até então inabitado por mulheres catarinenses.

Consciente do compromisso que é ser a primeira a abrir uma porta antes cruzada apenas por homens, emociona-se ao enxergar o exemplo que se torna às gerações futuras ao mesmo tempo que sente-se honrando aquelas que vieram antes e não conseguiram exaurir seus sonhos.

— Quando minha mãe sabe da minha convocação ela me abraça e diz “você foi onde eu não fui” — emociona-se.

Empossada na última sexta-feira (11), Vanessa reafirmou seu empenho com a defesa dos direitos sociais e a aproximação do órgão com a comunidade em uma entrevista exclusiva ao Diário Catarinense. Contou que se sente ansiosa para tirar as aspirações do papel e dar continuidade ao trabalho construído pelo órgão, mas quer ir além, e conectar o MP com o momento atual, onde as regionalidades estão em evidência.

— Não se faz Ministério Público sem proximidade social.

Raízes

— Eu sou manezinha, um exemplar em extinção — diz, orgulhosa, com o sotaque nativo e intacto.

Nascida e criada em Florianópolis, Vanessa é mãe de um casal já adulto, madrasta de uma adolescente e tutora da Capitu, uma poodle que a acompanha, inclusive, no trabalho. Também é a mais velha de três irmãs, filha de um deputado constituinte e de uma mulher “à frente do seu tempo”:

— É importante que se diga que ela (a mãe) fez faculdade de direito, foi a primeira colocada do curso, e conjugava estudo com trabalho numa geração de mulheres que ainda não tinha se apropriado desses espaços.

Por ter a mãe fora de casa por muito tempo, assim como o pai, que também era professor, bancário e engenheiro agrônomo, lembra-se de uma infância de responsabilidades, em que buscava manter a rotina de casa e das irmãs organizada.

— Tinha que dar conta das tarefas da escola, cuidar das irmãs, inclusive em relação às tarefas de casa, embora elas não gostassem muito — diverte-se lembrando.

Chegou a morar uma época no Rio de Janeiro com a família, quando Mário Cavallazzi, pai dela, foi professor da Fundação Getúlio Vargas. Logo retornaram à Ilha de Santa Catarina.

— Então minha adolescência foi toda aqui. Se eu posso registrar alguma coisa da minha adolescência é a preocupação com a desigualdade social, com as diferenças abissais que o país tinha e que precisava revisitar — relembra.

Conta que, com a mãe e o pai atuando na Alesc, foi uma espectadora privilegiada na Constituinte de Santa Catarina de 1989, o que lhe despertava cada vez mais interesse em fazer a diferença para a sociedade com a profissão que escolheria. À época, almejou ser jornalista:

— Minha mãe era taquigrafa da Assembleia Legislativa, meu pai era deputado. Eu saía do colégio correndo para a Assembleia Legislativa, ouvir tudo o que estava acontecendo naquele diploma que estava nascendo. Então, eu acompanhei muito de perto a formação desse novo diploma que seria transformador para o país.

Três paixões

Desaconselhada pelos pais a seguir o desejo de atuar com jornalismo, aceitou o convite da sogra, à época, para acompanhar um júri grande e moroso que acontecia em Florianópolis. Foi quando conheceu a sua primeira paixão, o Direito.

— E quando eu entro naquele lugar, naquele templo onde a Justiça acontece ao vivo, onde o direito é feito ao vivo, réu, vítima, todos os sentimentos lá espalhados, a Justiça acontece lá, de frente para a sociedade e feita pela sociedade, pelo corpo de jurados, aquilo me tomou e eu disse: “é aqui que eu quero estar”.

Já na faculdade, começou a conhecer as áreas de atuação da graduação eleita, além dos órgãos e suas funcionalidades.

— Quando conheci o Ministério Público foi a paixão definitiva. É a instituição onde o único compromisso que você tem é em realizar Justiça. Você tem a oportunidade de induzir políticas públicas, fazer com que direitos que aconteceriam em 10 anos aconteçam em dois, ter diálogo social, trabalhar em defesa desses direitos… Então tudo se completou e o MP virou essa paixão — relembrou.

Já no órgão, atuou em diferentes varas, mas foi na da Infância e Juventude que descobriu sua terceira paixão.

— Eu atuei durante bastante tempo nela. A infância é o grande horizonte que nós temos no país. Todas as expectativas de uma sociedade melhor não se concretizarão se a gente não olhar para este lugar com carinho — afirma.

— Então foi assim que se desenhou a minha vida: da adolescente que já se preocupava com as desigualdades sociais, para a mulher que encontrou no Ministério Público a ferramenta, a instituição adequada para exercer a atividade de garantir direitos.

Caminhada ao comando

Chegar ao comando do Ministério Público não foi um caminho célere, nem fácil. Especialmente quando se olha para um histórico de antecessores exclusivamente homens e um cargo de liderança.

Vanessa o conquistou no segundo pleito disputado, em uma nomeação do governador Jorginho Mello (PL). Na disputa para o biênio 2025-2027, recebeu 261 votos contra 292 do até então Procurador-Geral de Justiça, Fábio de Souza Trajano.

Os votos de confiança recebidos por ela precisaram de muito trabalho. Isso porque Vanessa é uma mulher e precisou se provar qualificada.

— No imaginário de alguém como eu, que teve uma série de privilégios ao longo da vida, nunca me coloquei no lugar de vítima de preconceito. Eu sempre me coloquei no lugar de defensora de quem sofre o preconceito. Me via e me plasmava assim, dessa forma. Acontece que, no imaginário das pessoas, não só dentro da minha instituição, mas na sociedade catarinense e brasileira, quando se fala de liderança a gente imagina outra coisa: terno e gravata e uma voz forte — pondera, ao avaliar que a imagem se materializa e estrutura.

— Isso acaba resvalando, também, na ideia de que quando um homem fala algo, basta que seja dito e terá a força desse imaginário de liderança. Já quando uma mulher fala algo, ela precisa repetir uma, duas, três vezes. Na verdade, ela precisa estar acompanhada de um dado que suporte o que está falando, precisa conhecer muito mais do que um homem que está falando e na mesma condição. Isso eu experimentei — revela.

Para ela foi um aprendizado que serviu para forjar a pessoa que vai sentar na cadeira mais importante do órgão agora:

— Eu me sinto realmente muito mais preparada. Então, esse processo de dupla checagem que nós mulheres acabamos sofrendo ao longo da trajetória acaba nos tornando resilientes, obstinadas. E aí não é a voz que tem que ser mais firme, é a prova pela competência.

Fortalecimento das regionalidades

Vanessa está ansiosa por fazer. Conta que uma série de projetos e aspirações estão nos planos, mas afirma que não vai “inventar a roda”, embora garanta que vai trabalhar em uma atuação voltada às regionalidades e na democratização interna.

— Santa Catarina é um estado cujas dimensões não são tão grandes, mas temos uma regionalidade potente, econômica e socialmente. Então nós temos um Norte metalmecânico, um Sul cerâmico, um Oeste agroindustrial, e essas vocações econômicas determinam diferenças na constituição do tecido social muito importantes. Está na hora de valorizar a participação dos promotores e promotoras de Justiça na construção de prioridades locais da sua atuação em cada uma das áreas do Ministério Público — pondera.

Com isso, Vanessa pretende aproximar o órgão da comunidade, porque entende que a atuação da promotoria exige familiaridade com as demandas.

— Não se faz Ministério Público sem proximidade social. O nosso trabalho exige que estejamos próximos de onde o problema está. Precisamos priorizar ações locais, ouvindo promotores e a sociedade — salienta.

Diálogo com instituições

Doutora em Direito pelo Centro Universitário de Brasília, Vanessa entende que o Ministério Público precisa de independência, mas também de diálogo para que sejam compreendidos na função que exercem.

— O Ministério Público é essa [coisa] que precisa ocupar espaço de independência na sociedade para que consiga realizar o trabalho de encurtar o tempo de garantia dos direitos, para combater a corrupção. Ao mesmo tempo, há que haver diálogo. É esse equilíbrio delicado entre uma instituição que tem o seu papel e, portanto, é independente, e a necessidade que tem de construir pontes para que esses direitos também sejam turbinados — reflete.

Fonte: NSC Total

Comentar pelo Facebook

Fique por dentro das últimas novidades do Portal Peperi.